A “Literatura Atlântica” no chão da escola pública

 


No dia mundial do meio ambiente, o Sarau Literário do Projeto Coral Vivo - realizado na Escola Aracy Alves Pinto - reuniu um expressivo conjunto de práticas sociais de leitura, escrita e oralidade inspiradas em obras literárias sobre a biodiversidade marinha brasileira. Foi a maior experiência de letramento crítico socioambiental do ano letivo em curso. Envolveu representantes de toda a Rede Municipal de Educação e as comunidades locais.

A construção do evento se deu em regime de cooperação intersetorial. Participaram da sua produção o Projeto Coral Vivo com a Secretaria de Educação (SEDUC), a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) e a Secretaria de Administração do município.  

Entre os meses de fevereiro e março deste ano todas escolas da Rede Municipal de Educação foram contempladas pelo Programa Literatura Atlântica a partir de mediações da SEMA com o Projeto Coral Vivo. Cada unidade de ensino recebeu pelo menos 05 coleções com 05 diferentes livros de literatura infanto-juvenil sobre a complexa e diversificada vida marinha do nosso país. Em todas as obras os contextos das produções literárias apresentam enunciados que estão inscritos nos contextos de vida das comunidades escolares locais. O Programa Literatura Atlântica é uma ação institucional do Projeto Coral Vivo que conta com o apoio de órgãos públicos, copatrocínio do Eco Parque Arraial D’Ajuda e patrocínio da Petrobrás.

Quando as obras chegaram à Secretaria de Educação para serem encaminhadas às escolas, os diferentes exercícios de contemplação das criações literárias que passavam por nossa equipe técnica inspiraram outras criações. Nossas primeiras experiências leitoras incitaram nossas imaginações pedagógicas. Contagiados e contagiadas pela beleza das obras que tínhamos em nossas mãos, propusemos às escolas um projeto didático coletivo de celebração da leitura, da escrita e da oralidade como investimento público no letramento crítico socioambiental. Assim nasceu o Sarau Literário. A Escola escolhida para sediar o evento possui turmas de tempo integral e é a maior unidade de ensino localizada na orla norte de Santa Cruz Cabrália.

Nos meses de abril e maio a equipe pedagógica da SEDUC em diálogo constante com as equipes pedagógicas das escolas planejou e produziu o evento que reuniu centenas de pessoas no recital literário da vida do oceano. O salão de eventos de Secretaria se transformou em oficina de produção cenográfica do Sarau. Foram dias e noites de transformação da matéria do descarte em arte. No tato criador das nossas educadoras sobras de papelões, tecidos, caixotes, folhas secas, barbantes, papéis de várias texturas e garrafas pets ganharam vida nova. Polvos, corais, peixes, guaiamuns, caravelas e outras criaturas marinhas tomaram forma para compor o cenário do evento. A imaginação pedagógica fez da ambiência escolar instalação literária viva, transpondo cores, imagens, gestos, ritmos e personagens das páginas dos livros para o chão da escola. Ali as figuras expostas se colocavam mais próximas dos corpos circulantes.

Nas escolas da Rede Municipal cada livro deu outras voltas à imaginação pedagógica. As palavras escritas ganharam vozes próprias gerando outras performances narrativas que compuseram a programação oficial do evento. O sarau foi aberto com um Awê Indígena, afirmando os saberes ancestrais advindos das comunidades Pataxó que participam da nossa Rede Municipal de Educação.

Após o ritual de celebração da presença dos nossos povos originários, cada escola performatizou as obras literárias à sua maneira. A Escola Aracy Alves Pinto apresentou dois musicais inspirados nas obras: “Um planeta Dançarino” e a “Teia das Águas”, os dois livros são de autoria de Roseana Murray e Bia Hetzel. A Escola Santo André transformou em peça teatral o livro “Grude grude”, de Bia Hetzel e Mariana Massarani. A Escola Filogônio Santos Alcântara produziu o espetáculo Vozes do Mangue, texto autoral da professora Bianca Aracuã, que trouxe para o Sarau passagens de suas relações com as marisqueiras do Guaiú, o livro "Tá Limpo", de Bia Hetzel e Mariana Massarani, foi dramatizado pela turma do 5º Ano, da professora Girlândia. A Escola Indígena da Mata Medonha traduziu para o Patxohã a obra “A casa de todos os ninhos” de Bia Hetzel e Roseana Murray. Na língua Pataxó o livro passou a se chamar “le Kijeme upú hotxomãp iõp ôkwá”, nos corpos da comunidade escolar indígena a “Literatura Atlântica” recebeu ainda o acréscimo da tessitura musical do RAP, elevando a didática do letramento socioambiental a uma inédita experimentação intercultural.

Como parte da programação oficial ,houve ainda a declamação de poemas de autoria de Yasmim Santos, estudante da Escola Municipal Tânia Guerrieri. O poema declamado faz parte de uma ação da Organização Não Governamental Projeto Casa Amarela que investe no protagonismo infanto-juvenil de estudantes moradores da periferia urbana do nosso município. O Projeto Coral Vivo expôs animações das obras “Tá Limpo”, de Bia Hetzel e Mariana Massarani,  e “Planeta Dançarino”. 

Da “Literatura Atlântica” ao chão das escolas públicas do nosso município o Sarau Literário do Projeto Coral Vivo abriu passagem para a importantes inovações. Antes mesmo de chegarem às bibliotecas das escolas os livros mobilizaram a construção de um projeto inédito de letramento crítico socioambiental com a participação das comunidades escolares. Nesse sentido a nossa Rede Municipal de Educação recebe os livros como investimento cultural na qualidade do ensino e aprendizagem das nossas escolas públicas.

Ao longo do processo de produção do evento foram ultrapassadas distâncias e desníveis entre diferentes instituições e grupos sociais. Das primeiras reuniões intersetoriais para a chegada das obras literárias, até o momento de entrega oficial das coleções às escolas públicas, as diferenças institucionais que nos constituem foram condutoras de forças de aproximação. Nessa perspectiva o Sarau Literário se fez como paisagem polifônica dos nossos modos de fazer juntos.

A Escola que serviu de ambiência para o evento participa da política de Educação Integral em Tempo Integral do nosso município. Nessa perspectiva podemos compreender, também, o Sarau Literário do Projeto Coral Vivo como uma experiência política e pedagogicamente situada que nos faz ver as múltiplas faces da Educação Integral: a Educação Indígena, a Educação Ambiental, a Educação do Campo, e a Educação para as Relações Étnico Raciais.

No Sarau Literário do Projeto Coral Vivo, envolvidos e envolvidas pelas múltiplas experiências com a leitura, a escrita e a oralidade, experimentados nossas humanidades em comunhão com a vida marinha. A “Literatura Atlântica” gerou vivências que nos permitiram ver a nós mesmos e as nossas escolas mais inteiros e menos fragmentados. No Sarau aprendemos a ver a escola pública como um lugar de produção da beleza.


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